Roberto M. Moura - jornalista e escritor
O poeta conversa com avida e com Deus
Benza, Deus é um vocativo. Discurso direto àquele a quem o emissor se dirige. Luiz Carlos, portanto, não quer falar com Deus ele fala com Deus, e agradece. Tem todos os motivos e daí o título deste CD em que reaparece, renascido, como uma força da natureza, inquieto e criativo como sempre, um pouco mais tolerante talvez.

Pululam aqui achados poéticos e literários em que o velho Samba, de hábito tão direto, ganha em Luiz Carlos da Vila metáforas persuasivas e convincentes ("agora somos personagens de um conto assim sincero", "trinco de estranha fechadura, cinco que não cabem na mão, ninho que fica exposto à chuva, isso é paixão"), hipérboles surpreendentemente críveis ("fiz o mar desaguar no chafariz", "se o limite for o infinito, vou subir até o pico do Everest" e metonímias inesperadas ("todo um valia mil, qualquer anel já os casava, água fresca no cantil, mãe e mão, mesmo sem til, o nosso amor acentuava"). Além de uma fé que parece rediviva, por que "quem tem fé enxerga no escuro a luz do axé": "Preta velha abençoou, o terreiro se abraçou e o batuque anunciava, vento ruim vento levou, a poeira assentou, era o amor que festejava."

E tudo com muito estilo o que é uma marca de grande artista. Não é difícil reconhecer quando uma canção tem o dedo dele seja pela força atávica de sua construção, seja pela forma original com que aborda a linguagem (aliás, que relação invejável tem ele com as palavras!). Nesse Benza, Deus, esse estilo está muito voltado para os sentimentos embora as imagens que traz remetam a um mundo particular cheio de Samba e arte. O amor, por exemplo,

Era palco pro ator, microfone pro cantor/O de menos que somava, tela e tinta pro pintor/Num momento inspirador que até Deus inspirava/Batucada no apogeu,/Luna, Marçal, Eliseu, que platéia adorava/Dia de festa no mar para saudar Iemanjá que ao povo abençoava.